quarta-feira, março 13, 2013

Incoerência - Parte I

Discursos maquiados de pessoas que levantam a mão e enchem o peito de razão para se declararem autossuficientes, coerentes e diferentes. Mas diferentes no que mesmo, hein? Triste constatação. De qualquer forma, preciso iniciar essa reflexão considerando os últimos anos, sendo bem concisa, e partindo da diferenciação entre pessoas que são e pessoas que demonstram ser. Afinal, o que importa, realmente?

Não é preciso ter feito um doutorado em Harvard para saber que, de certo modo, as redes sociais são propícias ao teatro medíocre e vazio de gente que passa mais tempo demonstrando ser do que sendo. Esse ponto é crucial e complexo, visto que pode ser distorcido facilmente. O que eu posso defender é que existe uma linha tênue e frágil entre falar coisas, postar fotos, ideias, músicas sobre seu cotidiano com boas intenções e escancarar coisas de maneira mascarada e obscura. E ultrapassar esse limite é desastroso, porque se tem uma coisa que algumas pessoas não percebem é que não é necessário muito tempo pra o outro perceber que tudo isso é uma fraude e autossabotagem da própria personalidade. Um melancólico fim do seu próprio "eu".

Nos últimos tempos ocorreu uma reviravolta infernal de valores e princípios. E, pra mim, seria impossível não analisar. Eu não consigo entender se as pessoas tornaram-se esquizofrênicas e incapazes de avaliar suas atitudes incoerentes ou se uma espécie de tempestade do mal invadiu esses corações. Aliás, é possível usar a palavra "coração" ao falar sobre isso? Difícil saber. O que eu percebo, com um olhar sangrando de tristeza, me deixa sem chão e totalmente sem ar. Já perdi noites e mais noites de sono buscando entender, compreender, tentando achar uma explicação justa. Mas dentro desse assunto não se pode falar sobre justiça - pelo menos, não na justiça dos homens.

Não posso continuar esse texto me achando alguém diferente de tudo isso. De jeito nenhum. Me incluo em algumas constatações, sim. Não posso afirmar que sou uma pessoa digna de ser um perfeito exemplo, ao falar sobre meu caráter, mas confesso que procuro ser. Digo sem medo de errar que eu busco ser coerente. Estou aqui, nesse nosso mundinho complicado, exclusivamente para isso: não ser nunca mais aquele alguém que possui valores que eu não concordo. E isso eu posso afirmar: funciona e faz bem. Sem dúvidas, isso me permite, hoje, deitar a cabeça no meu travesseiro e dormir tranquilamente.

Mas a incoerência absurda transformou-se em acomodação. Para muitos, por exemplo, é mais cômodo dizer que Deus vai perdoar tudo, mesmo agindo sempre da mesma forma, sendo incapaz de entender o real significado da frase "respeito ao próximo" e magoando as pessoas sempre do mesmo jeito, diga-se de passagem, terrivelmente. Será que esse problema é pra Deus resolver, mesmo? E o engraçado é que, nesse momento, surge a necessidade e a importância do apenas "demonstrar ser", porque deixamos explodir a mania feia de sermos excessivamente agradáveis e amorosos. Mas, até quando? Ah, até surgir algo novo, seja bom ou péssimo, mas, antes de tudo, novo. Belo exemplo de humildade. Para quem vive nesse conflito egocêntrico, que tal tentar, antes de tudo, respeitar quem gosta de você de graça e não agradar pessoas por pura conveniência? É o primeiro passo pra poder abrir a boca, sem culpa, e dizer que faz o bem.

Nessa linha de raciocínio incoerente surge o grupo diferenciado de indivíduos que em pouco tempo se envolvem com mais de 37 pessoas, com direito a mudança de status no Facebook e tudo, e têm, mesmo assim, a petulância de postar que "os outros" saem por ai ficando com todo mundo. São aquelas frases que você lê e pensa: Tá de sacanagem, né? Fica a dica: ou você continua agindo assim e não posta coisas desse tipo ou você muda seu comportamento e passa o dia postando isso. Garçom, uma dose de coerência, por favor.

Em contrapartida a isso, o que dizer daquela incoerência assombrosa das pessoas que fazem, praticamente, uma seleção irreal para o cargo de companheiro(a)? Digno de risadas escandalosas, né? Vejamos, há uma busca implacável para reunir características admiráveis em alguém, mas tudo isso é deturpado quando nota-se que o que importa é o que você tem a dizer sobre o que essa pessoa faz no dia a dia e não como ela te abraça com amor. É mais bonito apresentar o outrem como o juiz da vara de num sei que lá do que dizer o nome dele. Estranho isso, porque se você parar pra pensar, o que muitos fazem qualquer pessoa dentro de uma média de QI considerada normal também pode ser capaz de fazer, como eu já disse em outros tempos. Pausa. É nesse momento que surge a falácia de defender que admira a disposição, o tempo gasto atrás do tal sonho, os sacrifícios, etc. Concordo, mas repito: muitos são aptos para isso, também. Eu, por exemplo, não desejo que todas as pessoas amputem suas pernas ou que passem meses sem andar para aprenderem a ser pessoas melhores. Cada qual com seu fardo.

Sem falar da chuva grossa nas redes sociais das descrições de perfis informando apenas onde a pessoa trabalha e as línguas que ela fala, e deixando de lado suas características pessoais. Fazer isso ou aquilo é uma consequência, ao meu ver. Se a busca é por pessoas que agregam, sugiro que a escolha seja, primeiramente, pelo caráter. Mas, se isso não for suficiente, lembre-se que você pode acabar caindo no erro de priorizar outras coisas. Então, reze para não ser agregado em sua cabeça um belo par de chifres. Brinquei, brinquei.

Mas, vendo o lado bom de escolher bem, visto que ninguém quer o pior para si, acredite: você só tem o direto de exigir qualquer coisa se você consegue dar o seu melhor. Não adianta posar de namoradinho(a) perfeito(a) só para quem te conhece de longe. De longe, todo mundo é incrível, né? Garçom, uma dose de excelência de qualidades para agradar as pessoas próximas, também. Elas merecem. Bem mais.

Que tal fazermos uma correlação entre algumas outras áreas da vida? Vamos pensar: não adianta ser um ótimo profissional e, (des)aliado à isso, ser um(a) companheiro(a) mediano. Solução para isso: nunca case-se. Mas cuidado ao adoecer, pois tenho minhas dúvidas se o teu chefe vai te acompanhar no hospital. Ao contrário disso, não adianta, também, ser uma ótima pessoa, bondosa, leal, companheira e tudo mais, e querer passar a vida de pernas pro ar. Até pra ser dona de casa, tem que ter, no mínimo, disposição pra cuidar de crianças, tá? Que tal um curso de culinária, pelo menos? E se você for inteligente, já é um bom caminho andado pra qualquer coisa. E perto disso tudo, por fim, o que não adianta, principalmente, é sempre querer o que não se tem. Não adianta estar sempre olhando para aquilo que não se está vivendo. Aceite as individualidades alheias. Pessoas são diferentes e pasme: você nunca vai ter todas as qualidades do mundo reunidas em uma pessoa só. Escolha algo e sinta-se satisfeito, se valer a pena. Se não é suficiente, mude-se para algum país que seja legal a poligamia, que tal?

Falando em pessoas insatisfeitas, é impossível deixar pra lá o grupo de pessoas que colocam todos os defeitos do mundo nos outros. Sempre é o outro que mente, que trai, que é safado, que é galinha, que é interesseiro, que é preguiçoso. Não adianta você berrar que o mundo é interesseiro, se você só entra em uma relação se o homem pagar todas as suas contas. Não adianta você dizer que o outro é preguiçoso porque não está trabalhando, se você morre de preguiça de sair de casa pra fazer uma visita à alguém que você diz que gosta. Cada um possui as suas disposições, que são transitórias, inclusive. Não adianta você falar que nas baladas só existem homens galinhas, se você namora e dá em cima de todo mundo, virtualmente. Inclusive, eu chamo atenção para esse quesito: não existe isso de separar sua vida pessoal do comportamento que você tem nas redes sociais. Isso não existe. Aliás, só pode ser considerado se você tiver o diagnóstico de Personalidade Dissociativa. Não adianta, o que você faz, na internet ou quando ninguém está vendo, faz parte de você. Deixe de ser pelé! Espero que Deus não tenha a senha do seu Facebook. Tá, essa foi brincando, também.

Outras palavras que eu procuro sempre correlacionar com a COERÊNCIA necessária aos nossos atos é o CONTEXTO e a INTENÇÃO deles. Conheci uma pessoa que se dizia super coerente e agia de uma forma, no mínimo, curiosa: era distante das pessoas mais próximas dele e era adorável com pessoas que ele mal conhecia. Qual a intenção disso? Curioso, né? Qual a explicação, Nietzsche? Prefiro me abster de comentar sobre isso. Só não dá pra reclamar quando perceber que as pessoas mais próximas são as que mais se afastam de você.

E onde o contexto entra nesse assunto? É comum as pessoas pensarem no contexto das suas atitudes? Quase nunca. Pois bem, eu aprendi que onde não há um contexto, há uma brecha. Um espaço para ser colocado o que qualquer pessoa quiser. E são exatamente nessas brechas que tudo se destrói em segundos.

E o que dizer da proporcionalidade das suas ações? Que tal ser coerente com a situação vivida? Enfatizo a importância desse questionamento, sobretudo, para sua própria sinceridade e honestidade. Não adianta, de forma alguma, querer considerar alguma coisa mais do que ela permite ser considerada. Nem menos. Pra início de conversa: em hipótese alguma assuma algo que você não é capaz de fazer. Você se conhece e sabe discernir isso. Não aceite um cargo que você tem certeza que algumas características suas vão te arruinar, principalmente, se for prejudicar mais alguém. Na dúvida, tente. Na certeza, corra.

Da mesma forma, serve para os relacionamentos interpessoais.

Ah, você quer alguém que esteja disposto a estar ao seu lado? Fácil, esteja disposto a estar ao lado dele(a), também. Ou então não esteja e aceite a mediocridade alheia. Vive reclamando que nunca encontrou o que procura? Será que o problema não está relacionado ao que você anda oferecendo? Relacionamentos unilaterais só funcionam por um certo tempo, porque depois desanda. Além disso, ninguém precisa provar nada pra ninguém. Ninguém, mesmo. Seja coerente com o que você busca ser. Bem simples.

Incoerências, incoerências. Talvez tudo isso seja um fuga ou uma simples maneira ingênua de tirar o foco das nossas incapacidades. No momento em que estamos apontando o dedo pra alguém, há várias outras pessoas nos observando, nos analisando. E, inevitavelmente, nesse exato instante, todo o nosso discurso é colocado em prova, principalmente se ele desconstrói tudo aquilo que a gente realmente é. Afinal, o que é mais digno: escrever o que se pensa ou pensar o que se escreve?

3 comentários:

Rafael Caus disse...

Olha, interação entre pessoas é de fato um desafio. Já ouvi de uma pessoa mais velha que a única forma de ser coerente é ficar de boca fechada. Mas e quando a única coisa coerente é falar alguma coisa? O problema é que eu acho que enquanto falamos, se nos deixarem falar o suficiente, em algum momento podemos sucumbir a uma espécie de tentação de "melhorar" a história que contamos ou melhorarmos nós mesmos. Pra quê? Obviamente pra manter o interesse. Porque é isso que acontece por exemplo em roteiros de peças de teatro ou filmes. Se coerência fosse interessante ficção não faria sucesso. Aliás, não só ficção. Uma história que não é levemente incoerente muitas vezes não é marcante. É a polêmica da vilã da novela ou a irrealidade do par romântico do longa metragem que marcam. Tem hora que parece que interações sociais são alimentadas ou dependem de incoerências, quase como um vício químico incontrolável.
E levar a coerência para o lado das emoções então... Existem perguntas pouco úteis e uma delas com certeza é "qual é o seu par pefeito?". É como perguntar ao Paul McCartney "qual o segredo do sucesso dos Beatles"? Aliás, já perguntaram e ele respondeu que se soubesse teria feito mais umas 10 bandas assim. Será que o sucesso dos Beatles foi por causa da incoerência do público? Bom, o sucesso do Teló com certeza é... risos.
Eu, assim como você, não vou me colocar num patamar acima do bem e do mal. Acho que ninguém pode. Não justifica entender o meu lado e chamar o outro de incoerente. Eu também fui/sou/serei incoerente.
Agora, se levar pro lado dos relacionamentos... Parei. Coerência em escolhas? Acho minimamente possível. Talvez esses sejam os casamentos que dão certo em 40 anos ou mais. Até o século 19, quando os casamentos eram arranjados e feitos quase na base de cálculos financeiros e sociais, era mais fácil dizer que havia uma coerência objetiva. Agora, quando você começa a colocar na mesa os sentimentos, o arrepio na pele, as emoções, etc... Coerência desaparece até quando sua vida está sob risco.
Entre as pessoas que compulsivamente colocam defeitos nos outros realmente não há coerência. Há quem diga que você só consegue apontar nos outros os defeitos que carrega em si. Porque no fundo você sabe que é errado e portanto é capaz de apontar que é errado. Parece até um pouco coerente então, você criticar um erro do outro baseado nisso, mas é bom não esquecer que o importante nesse caso é você tentar usar esse julgamento pra melhorar quem você é, e não esculhambar com o outro. Mas nada me fascina mais do que os fakes de internet. Como se já não fosse incoerente o suficiente ter ataques de fúria pela internet ainda os faz com base anônima. É o último patamar de covardia incoerente.
Bom, mas vou deixar pra comentar mais a parte dois.

O.R.D disse...

Olhando a data do primeiro comentário que fiz nesse blog, fiquei feliz em reconhecer minha coerência tanto naquilo que gosto de ler, quanto naquelas características que tento elencar para fazer a melhor escolha. Infelizmente, no campo dos sentimentos, a coerência não me parece uma boa alternativa para o sucesso. Digo, se a pessoa que você quer está se relacionando, é coerente continuar a investir?
Imagino que o coro diga: NÃO!
Se a pessoa quer muito uma outra, pelo menos a admira e a tem como um norte de "perfil" para se relacionar, e vai recebendo a caminho do encontro baldes de água fria e desinteresse da pessoa almejada. Seria mais coerente ela, pelo conjunto lógico da situação,
mudar o alvo ou obstiandamente continuar a busca pelo que quer?
E se feita a segunda escolha, após uma luta árdua e paciente, a pessoa conseguisse conquistar a outra e descobrisse que realmente era aquilo que queria, e a partir daí, descobrisse a plenitude do companheirismo, teria valido de algo agir com coerência?
Poderia dizer que o amor passa por um pouco de incoerência? Que a coragem, as vezes, passa pela incoerência?

Ótima leitura!
Continuo admirando, só que agora de perto.
Beijo
Fica com Deus!

Tiago Morais Costa disse...

O que vejo atualmente em redes sociais, são pessoas as quais convivi entre o final da adolescência e início da idade adulta, querendo mostrar que amadureceram de forma totalmente forçada...pessoas que estavam em um carro, viam um ciclista e o agrediam com o tapete do veículo, como um tacape neanderthal, hj andam de bicicleta para disfarçar a maculação corporal que o álcool lhe faz 2 ou 3 vezes por semana...
outros falam de revolução e brigam por direitos humanos, mas não toleram um casal homossexual na mesa ao lado do bar. E o pior tipo, para mim, é aquele frustrado por não ter ascendido na vida, para os padrões dos seus colegas bem sucedidos, e fica querendo bancar o intelectual esclarecido e inserido num padrão criado por ele mesmo, para bloquear a realidade fútil e sem perspectivas de sua vida de mesa de bar com um copo americano ou de requeijão cheio de cana.
Quem conhece as pessoas, sabe do que são capazes e não adianta colocar máscara de malcolm x ou madre tereza...a casa cai com muita força, e arrasta a máscara, fazendo valer a lei da gravidade.
pena precisarmos de terceiros para poder atingir objetivos, aprendi na academia que o ser humano é um ser bio-psico-social, tem que interagir e esconder suas verdadeiras índoles para poder ser aceito em certos grupos.
vejo a incoerência, principalmente, como forma de mostrar que amadurer, tornar-se responsável, pode levar as pessoas a patamares sociais mais altos